terça-feira, fevereiro 09, 2010

O lugar dele

Ele não sabe. Não se dá nem o trabalho de dar valor. Justamente, é o conflito dele ser o que quer ser e o que simplesmente é. Puramente ele não é o que gostaria de ser. E em seu íntimo os pecados que pensa, que deseja pronunciar, lhe enfervecem ferozmente. Não há nada que o segure. Nem a lembrança da figura da mãe. Seu cabelo cuidadosamente penteado de lado com aquela goma de baixar fios. Nem a luz da manhã o segura. E a rotina da cidade que já começa com o cheiro de pão. Nada o segura. Nem a própria moral que insiste em bater o martelo toda vez que o ímpeto lhe ocorre. É mais forte. E ele quem na verdade é?

Aquele que abre frascos de azeitona, que pensa nela enquanto sente o doce aroma da pêra na feira. Aquele que sabe o número que ela calça e que às nove e meia faz-se sombra na janela. Não é ele. Ele pensa em outra. Abre outros potes de azeitona e come a fruta sem sentir o gosto. Tão voraz.

E ele se vê de frente, voltado para si sem saber o que dizer. O silêncio que permeia traz o mesmo incômodo de um casal que se desentende. Não se entende, não se sabe, não se controla. Achou que nunca tinha muito o que perder. Mas se perdeu no caminho e hoje não se conhece, não se reconhece. E, cada vez mais distante de si, mais distante dela também fica.


ps: quem disse que a maçã é a fruta do pecado?

Um comentário:

Roginho disse...

Qualquer fruto se torna pecado na mente que por ventura esteja descontrolada, sem o auxílio da moral.

Ele não sabe. Logo o texto demonstra o quão o personagem se perde, tentando se encontrar.

O meu medo não é de morte. É de morrer sem saber quem efetivamente eu deveria ter sido e que, provavelmente, não fui.