sexta-feira, dezembro 05, 2008

O mudo no cinema

Nos primórdios do cinema, final do sec XIX, a 7ª arte ainda não dispunha de recursos para empregar o som no filme, só a imagem. Mas nem por isso as exibições se passavam em completo silêncio. A trilha sonora era tocada ao vivo nas salas de exibição por pequenas orquestras ou por um pianista. Esse elemento externo dava mais sentido e emoção às cenas, levando o público à compreensão total da história. Esse era o “Cinema Mudo”.


Quem não se lembra de Charlie Chaplin e todo seu encanto mudo? Chaplin foi um dos poucos que resistiu ao emprego do som em seus filmes. Ao mesmo tempo em que essa nova tecnologia era febre nos EUA, Chaplin ainda fazia filmes mudos e nem por isso deixou de emocionar platéias fazendo grande sucesso. Além disso, com tanta destreza corporal, fazendo-se entender pelos movimentos do corpo, quem necessitaria de ouvir o que ele falava com a voz? Seu primeiro filme sonorizado foi Tempos Modernos, em 1936, mas muito timidamente. A sonorização era somente em alguns momentos, talvez para criticar justamente a falta de voz nas máquinas.


Até hoje, é fácil repararmos em elementos que nasceram junto do cinema mudo. As legendas são um exemplo. Como não era possível ouvir as falas dos personagens, o recurso de legendas era utilizado para auxiliar a compreensão do público para coisas que não fosse possível a mímica.

Mas, além disso, talvez o sentido do silêncio tenha se expandido com o passar dos tempos. Quantas cenas utilizam do absoluto silêncio para extremar sensações, emoções. O silêncio é muito utilizado em cenas de profunda comoção. Com tanta informação sonora de hoje em dia o emprego do silêncio absoluto pode causar mais impacto do que grandes produções sonoras. Me lembro do filme “O Demolidor”, adaptação dos quadrinhos para cinema. Quando o personagem principal fica cego na infância a cena do fato transcorre em profundo silêncio. O impacto que isso causa é muito interessante, pois o personagem estava ficando cego naquele momento, não surdo, porém para o espectador vê-lo ficar cego é mais importante do que ouvi-lo ficar cego, por isso o contraponto dos dois elementos.

Também o silêncio pode ser usado na construção de personagens que se deslocam na trama sem proferir mais do que 10 palavras. Me lembro da história do jardineiro do “Muito além do jardim”. Na história o personagem principal, Peter Sellers, praticamente não fala e é justamente esse seu silêncio que causa nas pessoas as mais variadas reações e interpretações. Ali o silêncio vale como 1000 palavras. O engraçado no filme, é que o jardineiro é uma pessoa que não entende do mundo, parece uma criança. Isso porque viveu a vida inteira até seus 40 anos na casa do patrão tendo somente a televisão como fonte de informação e o próprio patrão. Quando o patrão morre, ele se vê sozinho tendo de se virar. Daí começam as interpretações erradas das pessoas. Pensam que ele é isso ou aquilo. Ninguém pergunta e espera a resposta, e assim transcorre a história, cheia de interpretações errôneas.

Por outro lado, o silêncio pode ser esquecido completamente, como na maioria dos filmes de ação dos dias de hoje. O volume de informação sonora é tão grande que, às vezes, deixa de causar impacto no espectador, como julgo ser o intuito desses filmes. São barulhos e bombas, de motores automotivos, de socos, de gritos. Além das músicas frenéticas de conteúdo rítmico apenas com a intenção de excitar o espectador, deixando-o atento à toda ação. Nesses filmes os cortes de imagem geralmente acompanham a trilha sonora frenética, dando mais ênfase à excitação.

Esse uso exagerado da trilha sonora é também percebido no Expressionismo Alemão, quando a intenção era justamente impressionar o espectador. No Expressionismo as músicas são sempre muito grandiosas e tocadas por orquestras, eliminando os detalhes pequenos de um solo. As canções são intensas para não dispersar a atenção do público. Alguns críticos dizem esse elemento foi justamente usado dessa forma para que outras culturas entendessem melhor o que o filme propunha, pois nem todos iriam entender certos elementos típicos da cultura alemã. É certo que as músicas dessa escola impressionaram o público.

Alguns elementos da composição do cinema mudo ditaram e ditam até hoje certos climas para certos tipos de personagem. Por exemplo, sabemos bem a estrutura de acordes que são compostos quando um vilão aparece em cena. Geralmente o tom sombrio e perigoso é bem representado por tons menores, graves e mais lentos. O mesmo pode acontecer com sensações de medo, ou nesse caso, dependendo do medo, algo mais excitante. Um exemplo clássico para essa sensação é a trilha da cena do assassinado no chuveiro de “Psicose” de Hitchcock. Aqueles violinos frenéticos e ascendentes impressionam até hoje. Já para as sensações de alegria e amor os tons são maiores, mais agudos e cheios de vida no ritmo. As emoções foram muito bem representadas no Cinema Mudo justamente pela falta de falas dos personagens. E hoje, a mesma estrutura é percebida nos mais variados segmentos de representação. Mas, claro, sempre há exceções. No filme “Laranja Mecânica”, por exemplo, a 9ª Sinfonia de Beethoven vira a música do vilão sem respeitar essa estrutura básica, entretanto não tira a sensação de perigo quando ouvimos a composição na película.

O certo, até hoje, e talvez isso nunca mude, é que tanto o silêncio quanto os mais variados elementos sonoros são partes importantíssimas do cinema. Sem eles, talvez o cinema não fosse capaz de passar tanta emoção e causar tanta catarse. Que bom...

Um comentário:

Carlos Howes disse...

As emoçoes eram intensificadas.. Era mágico.. Sou suspeito para falar, pelo menos de Chaplin, gosto de assistir os filmes dele.

Clar que não vou renegar os filmes modernos, suas inovações trouxeram efeitos e a realidade para tela do cinema, o que é um brinde para nossos olhos.. Mas talvez tenha-se perdido um pouco da magia..