sexta-feira, outubro 26, 2007

produção jornalística

Livros e pneus, que receita é essa?

Misturar livros com os pneus foi a saída que Marcos Damascena encontrou para colocar em prática seu maior sonho

Num cômodo apinhado de livros de todos os tamanhos, gêneros, títulos e importâncias é que fui recebida numa manhã de sexta-feira, para conversar a respeito do maior sucesso do Bairro Caieira, em Sabará. Refiro-me à Borrachalioteca, uma biblioteca em meio a pneus e muita graxa, em uma típica borracharia.

Ao arrumar as cadeiras e uma pequena mesa para podermos conversar, Marcos Túlio Damascena logo me diz com todo entusiasmo que a Borrachalioteca está entre as 15 finalistas de 1855 projetos inscritos no Prêmio Viva Leitura 2007, que tem o objetivo de estimular, fomentar e reconhecer as melhores experiências que promovam a leitura no pais. Um sorriso largo mostrava tamanha satisfação com a notícia, ainda recente. Eu só pude elogiar.

Marcos é borracheiro hereditário. Seu pai é Joaquim Borracheiro por conta da profissão e foi quem ensinou ao filho o ofício para que os serviços na borracharia pudessem continuar. As coisas andavam sem ânimo e pagar um funcionário estava difícil.

Então, estava lá o Marcos trabalhando com os pneus e pensando nos livros. Daí veio a idéia da biblioteca dentro da borracharia. E além de borracheiro, tornou-se borrachaliotecário por gosto e invenção. E que idéia mais estranha, pensaram as pessoas na época, inclusive seu pai, que foi até contra, no início. Mas ele não se ateve aos comentários nem teve medo. Mandou uma carta à biblioteca pública de Sabará e logo recebeu a primeira doação de 70 livros. Foi o primeiro passo para realizar seu sonho, o de fazer leitores.

Quando criança, a literatura já fazia parte da vida do pequeno Marcos Túlio e seu gosto só aumentou com o passar dos anos e a Coleção Vagalume ia sendo totalmente devorada. Quando os sonhos vieram, sonhou que todos pudessem um dia ter acesso aos livros e que o gosto pela literatura fosse assim tão comum que houvesse leitores por todos os lados com seus livros de baixo do braço.

Eis a Borrachalioteca e o sonho se realizando. Sonho esse que confessa ter quase o engolido, quando já não cabiam tantos livros no pequeno espaço. As doações eram muitas, de todos os cantos e quase que diárias. Amigos, clientes, desconhecidos, todos interessados em abastecer aquela iniciativa que vinha dando tão certo. Pensou em doar tudo pra alguém, desistir dessa utopia, seguir outro rumo, mas resistiu firme à crise, com a ajuda dos amigos e dos leitores, principalmente. Então, um acordo com a Prefeitura de Sabará possibilitou o assentamento dos novos livros de cada dia. Um quarto ao lado da borracharia está sendo alugado desde fevereiro deste ano e tudo pôde continuar seu rumo como havia de ser.

Enquanto conversávamos, um rapaz nos interrompeu. Vinha numa bicicleta com uma mochila cheia de livros, queria fazer uma doação. Marcos anotou seu nome num caderno e estavam ali mais livros para o acervo. Um outro homem veio, pegou um livro e avisou que estava levando e que ele mesmo anotava. Na Borrachalioteca não há prazo pra entrega, e nem ficha do leitor. Segundo Marcos cada leitor tem seu tempo para ler e privá-lo disso é deixar de fazer mais um leitor. Diz ser uma relação de confiança, ele respeita os leitores e os leitores o respeitam e à biblioteca.

Este ano, a Borrachalioteca completou cinco anos de existência, registrou o nome jurídico como Instituto Aníbal Machado e está prestes a virar bem de utilidade publica. O acervo está avaliado em mais de 7000 livros e no novo cômodo já não há mais espaço. Mas, antes mesmo de Marcos ter uma nova crise, as coisas já foram se ajeitando sozinhas. Com ajuda da Mitra arquidiocesana de Belo Horizonte, em breve um prédio de três andares será construído para abrigar a borracharia, a biblioteca, um auditório e salas.

Além dos livros, a biblioteca também oferece, todas as quartas, as “Tardes Culturais” com uma contadora de história, Águida Alves. Faz tanto sucesso que algumas escolas da região já entraram no ritmo e são freqüentes as visitas de Águida nestas escolas. As crianças é que adoram.

Quem quiser visitar a inventiva Borrachalioteca, ela fica na Praça Paulo de Souza Lima, n. 22, Bairro Caieira em Sabará.

3 comentários:

Jaya Magalhães disse...

É por isso que eu amo o Brasil. Porque o povo brasileiro é de uma solidariedade tão plena, é dono de atitudes tão sem iguais, de preocupações com o próximo, que isso não me deixa desistir nunca de acreditar em um futuro melhor, porque vez ou outra aparecem provas assim.

Fiquei tão maravilhada com essa tua reportagem, Mariana, que eu quero muuuito conhecer essa “Borrachalioteca”. E quero respirar lá dentro. A iniciativa de uma pessoa assim, preocupada em partilhar conhecimento, demonstra o tamanho da alma que tem. E fico contente de saber que tudo o que fez vem sendo reconhecido assim, dessa maneira deliciosa e reconfortante.

Só faltou uma fotografia do lugar.

E é isso.
Um beeeeeijo!

P.S: Vou ter que comprar pão de queijo falsificado por aqui mesmo. Igual ao acarajé que como aqui, pra tentar sobreviver sem a Bahia em mim. Rs.

Carlos Howes disse...

Puxa, que idéia diferente, bacana. È um daqueles típícos casos de amor à literatura. A biblioteca mantida por pura paixão. Espero realmente é que as pessoas respeitem essa relação de confiança que é mantida com a Borrachalioteca, pois a idéia de não ter prazo para devolver é muito boa (eu mesmo, demoro meses para ler determinados livros às vezes).. mas o que me preocupa é a falta de bom senso das pessoas. Se bem que um caso tão bonito de se ver como esse, com a ajudade de tantas pessoas, é de se fazer acreditar em bom senso, e no coletivo sim. =)

Anônimo disse...

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